Em Setembro de 2009, o então ministro da Educação de Angola, Burity da Silva, afirmou que “a construção da angolanidade deve ser edificada com a participação de todas as culturas existentes, sem critérios estereotipados de exclusão”.
Por Orlando Castro
Prova dessa tese, segundo o regime, era a comemoração do Dia do Herói Nacional em homenagem, pois claro, a António Agostinho Neto. Pois é. Mas tem de mudar. Os heróis são agora outros: Isabel dos Santos e sua majestade o rei, José Eduardo dos Santos.
Para o Folha 8, Isabel dos Santos é a mais digna sucessora dinástica de José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito, cabendo-lhe o sublime papel desempenhado até agora pelo seu pai, sua majestade o rei, no desenvolvimento da mais avançada democracia do mundo.
Essa constatação, que todo o mundo vê e que se mantém correctamente desde 1979, justificou, por exemplo, que Angola seja membro do Conselho de Segurança da ONU. Com Isabel Angola deverá escolher o novo secretário geral da ONU, cargo que poderá ser muito bem desempenhado por José Eduardo Paulino dos Santos, mais conhecido em todo o mudo (e arredores) por Coréon Dú.
Assim, o Folha 8 lembra que Isabel dos Santos (graças à visão divina do seu pai) chegou agora a Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, sendo este o passo que antecede a sua escolha – igualmente divina – para chefiar o reino.
Por onde tem passado, a governação de Isabel tem-se pautado por casos mundialmente exemplares de respeito pelos direitos humanos e democracia, constatação que a levou a ser a mulher mais poderosa de Angola e a décima mais poderosa do mundo.
O Fola 8 destaca ainda que, segundo a Agência Internacional para o Desenvolvimento, o país é extremamente rico em recursos naturais, sendo o segundo maior produtor de petróleo na África Subsariana e ocupa o quarto lugar no ranking mundial na produção de diamantes em bruto. Tudo graças à visão estratégica e muito acima da média de Eduardo dos Santos, cujos ensinamentos, visão e honorabilidade passou para a sua filha Isabel.
Dizem os poucos pobres e mal-agradecidos cidadãos que não são do MPLA, que apesar dos recursos existentes no país, 68% da população vive no limiar da pobreza, a educação não tem qualidade, 30% das crianças estão subnutridas, a esperança média de vida é de 41 anos e o desemprego elevado.
Esquecem-se que José Eduardo dos Santos só está no poder há 37 anos e que o MPLA só está há 40 anos. E, como se sabe, não é possível fazer tudo em tão pouco tempo. Nem mesmo a super-mulher Isabel dos Santos poderá fazer melhor. Mas vai tentar. So precisa de tempo, talvez aí uns… 30 anos.
Para o Folha 8, Isabel dos Santos é em 2016 a mais democrata e impoluto presidente (da Sonangol hoje, de Angola amanhã) em África porque, mais uma vez, em vez de partilhar o crescimento económico de Angola com a população conduziu uma política de canalização de fundos do Estado para contas pessoais dos membros da sua Casa Real.
O êxito de Isabel dos Santos, assim como de outras entidades, não só em Angola, explica-se pela salutar proximidade do poder para os negócios. Não são precisos meios obscuros, basta o acesso aos negócios.
Normalmente associa-se a fortuna de Isabel dos Santos aos diamantes que o pai lhe teria dado, mas há uma hipótese muito mais simples que pode explicar a fortuna como, por exemplo, a concessão das telecomunicações (UNITEL) nos anos 1990, o que só foi possível porque Isabel revelou logo à nascença ser dotada de uma capacidade celestial.
Na altura, Angola estava a tentar que houvesse uma empresa internacional a concorrer à licença de concessão de telemóveis e em plena guerra civil ninguém queria arriscar e, de certo modo, o negócio teria de ser dado a alguém que tinha de estar próximo do poder. E quem melhor do que a filha do democrata e impoluto Presidente? E quem melhor do que a Santa Isabel?
Só o facto de ter tido aquela concessão pode ter sido uma boa base para uma boa fortuna e basta ver o valor dos dividendos que são pagos pela UNITEL desde que foi criada sendo que teve dividendos desde muito cedo.
Consciente primeiro da envergadura de Eduardo dos Santos, não admira que Portugal – entre muitos outros países – apostasse tudo e a qualquer preço no regime. Lisboa sempre soube que o regime é um dos mais impolutos, democratas e livres do mundo e que os angolanos na sua maioria são ricos. Eis porque, agora, aposta tudo em Isabel dos Santos.
Neste jogo sempre estiveram duas variantes. Uma que nos diz que mais de 40% da nossa população vive com menos de 2 dólares por dia, que a maioria tem pouco ou nenhum acesso a água canalizada, saneamento básico ou electricidade. Outra que mostra à saciedade que Eduardo dos Santos é um dos homens mais ricos de África e que a sua filha Isabel é a mulher mais rica de África. Tudo isto mostra que Isabel é a pessoa certa para suceder ao rei.
Portugal nunca se esqueceu que os donos do regime aprenderam com os melhores professores, os próprios portugueses. De forma quase contínua desde 1975, os sucessivos governos lusos forneceram quilómetros de corda ao MPLA que, supostamente, serviria para amarrar as relações entre os dois países. Mas a prática mostrou que a estratégia de Eduardo dos Santos era outra e que, por sinal, está a ser seguida pela sua filha. Essa corda vai servindo para “enforcar” os próprios portugueses, única forma de acabar de vez com o complexo colonialista.
Mesmo sabendo que fazer negócios em Angola é praticamente impossível sem o envolvimento directo de políticos do partido do governo, o mundo nunca se preocupou. Pelo contrário. Alinhou. E, nesta matéria, Isabel promete continuar a obra de sua majestade o seu pai.
Cá no Folha 8, reflectindo o que é um desejo generalizados do povo faminto e, é claro, na linha da ONU que dá toda a cobertura, damos também o nosso contributo para o dossier de candidatura ao Prémio Nobel de Isabel dos Santos, reconhecendo que ela é, no mínimo, o nova “querida líder” ou “o escolhida de Deus”.
Uma das suas características genéticas tem a ver com a capacidade de adaptação, interna e externa, para não olhar a meios para atingir os (seus) fins. Se o pai sobreviveu às mutações internas do MPLA, mesmo recorrendo aos jacarés para eliminar camaradas, e às externas, mantendo-se a flutuar com a queda do Muro de Berlim, Isabel não ficará atrás.
Pois é. Como líder do MPLA, do governo e da República, Eduardo dos Santos, enterrou Lenine, o comunismo e rendeu-se ao capitalismo, aceitando mesmo que figurativamente se desse ao país uns laivos de democracia e de multipartidarismo. Isabel fará o mesmo, o que só abona a sua capacidade de empresária, gestora, política e… rainha.
Se para cumprir os seus desígnios, José Eduardo dos Santos passou a conduzir o governo como se fosse a sua empresa de investimentos privada, Isabel comprova que é essa é a aposta certa.